O Herói, Pino Farinotti, Lisboa, Princípia, 2009
Pino Farinotti escreveu um livro simples mas actualíssimo: o diálogo entre duas religiões antagónicas, entre duas civilizações distintas. Numa cegueira momentânea, que o leva a considera que os "os muçulmanos fazem o que devem fazer", um cristão - não é católico nem praticante - decide tentar, por provação constante de vários amigos muçulmanos, de tentar entrar e rebentar uma mesquita. Sendo incitado ao longo de toda a obra a através de vários personagens com quem se cruza a cometer tamanho acto, revelar-se-á o protagonista revoltado com o "S. Pedro", porque os que aí habitam "se deixam aniquilar", e por ficarem "inertes, temerosos, cheios de medo". "Não temos força, não temos uma centelha de fé."
A questão que se coloca é essa: será o Cristianismo uma religião frágil, fraca e até auto-destrutiva por força da tolerância e liberdade que propõe? Não deveria o cristianismo eliminar os seus opositores?
O livro é esta constante provocação. Num diálogo entre as personagens, uma delas, muçulmana dirá ao "herói", que se o visse dizer mal da sua religião o mataria logo, mas que se o contrário acontecesse, nada aconteceria.
No momento crucial da estória, o protagonista, Franco Ferrari, desiste do seu plano. O que o move é o impulso que tem de ajudar um muçulmano doente, que se encontra junto a si na mesquita escolhida para o acontecimento fatal.
Aí se comprovará a sua natureza cultural diferente: incapaz de ser mortífero e letal como os amigos que o acusam, a si e aos da sua religião, de cobardia, a personagem principal é incapaz de cumprir a missão a que se propôs. A compaixão é notória e gritante, e fala mais alto, como já se vira no momento em que manifesta o desejo de entrar numa mesquita para a rebentar, mas na hora em que houvesse menos gente, para que daí não resultassem muitas vítimas...
É assim que o autor elimina o problema fatal da história: é que a grandeza do cristianismo não se pode medir pela guerra ou limitação ao opositor, mas antes reside nesse amor ao próximo. Não se encontra na guerra ao inimigo, pois que este só se pode converter por gestos de amizade e não pela força.
Curto, directo, simples e duro: Farinotti reflecte sobre o problema de forma crua.
«-Olhe aquelas janelas. Aquelas iluminadas.
Olhei, seguindo a mão dele.
-Sim?
-Alguma delas pertencerá já a uma família muçulmana. Serão cada vez mais... Agora serão talvez duas, depois serão dez, depois metade, depois todas... Vocês têm o inimigo a poucos cintímetros, à espessura de uma parede. Odores diferentes, ruídos e sons diferentes, mas não fazem nada - disse, sorridente.
(...)
-Não poderemos manter cada um de nós os seus próprios ritos?
-Prevemos isso, mas estamos com a razão. Estaremos a fazer-vos um favor ao trazer-vos para o nosso lado.
-Que simpáticos. Mas suponha que alguém não queria isso.
Votou a apontar para o prédio:
-É uma missão, mas também um honra, para um muçulmano, matar o seu próprio vizinho cruzado. Mas isso não será necessário.
-E o vizinho cruzado não se defenderá?
-Numa luta corpo a corpo, perderá. Disso não há qualquer dúvida.
Isto já me tinha sido dito, e nos mesmíssimos termos.
-Deviam ter feito uma lei que expulsasse todos os muçulmanos do vosso país; mas agora é demasiado tarde - respondeu-me, - Podemos prejudicar-vos, negando-vos o petróleo. E os vossos pacifistas assumirão a nossa defesa.
(...)
-Somos vitais e prolíficos. O ocidente exaurir-se-á devido à esterilidade, até mesmo biológica. Vocês também sabe disso... (...)
-Está muito irritado, não é verdade? - disse Bakr.
Não respondi. estávamos já na Via Foscolo, quase em frente ao hotel. Olhou-me bem nos olhos.
-Não sente vontade de me agredir?
De novo o silêncio.
-Se você me tivesse falado desta maneira, talvez eu o tivesse morto - prosseguiu.»Págs. 111 a 114
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