I. Antelóquio
Diz o povo que dos fracos não reza a história.
E do fortes?
De homens de grandes princípios e vidas de serviço está a história cheia. Mas paradoxalmente, eram os seus princípios tão grandes como é o seu esquecimento. E a história de Portugal não foge à regra.
No entanto, nas páginas da nossa história contemporânea há uma figura esquecida que se destaca: Alberto Franco Nogueira.
Quem foi Franco Nogueira?
Nas livrarias é raro encontrar um livro sobre ele[1]. Nem de fotografias, nem de discursos, nem de memórias, nem de criticas. Parecerá até que estamos perante um desconhecido, um homem sem história, ou sem relevância na nossa história.
Até os críticos o esqueceram. Ou então apagaram-no. Deram razão a Ernst Renan, e comprovaram que a história das nações era feita de esquecimento. Talvez tenha sido melhor assim.
Mas como lembrá-lo? Qual foi a sua grandeza? Num texto que não esquecerei, um dos maiores Professores de Direito Português, de seu nome Gonçalo de Sampaio e Mello[2], versara o seguinte:
“Mas, é lícito sabê-lo: e Salazar? Quem são, quais são os partidários de Salazar?
Tendo orientado os destinos da nação por quatro décadas, entre 1928 e 1968, reunido à sua volta figuras eminentes da política, da economia, da ciência, da sociedade, da cultura, conseguindo obter, enquanto vivo, o apoio de grande parte do País, lutando galhardamente até ao fim por uma obra colectiva que o transcendia, recusando para Portugal, o papel de mordomo de interesses estrangeiros – Salazar deixou atrás de si uma herança que pode ser contestada mas não ignorada. Uma herança política, doutrinária e moral.
Mas se existe herança – onde estarão os herdeiros?
Difícil é dizê-lo.
O tempo próximo diluiu a memória das coisas, um véu cobriu a vida pública e entre os amigos, os companheiros, os correligionários, os seguidores, os aduladores, os muitos que andaram pelos labirintos do Estado Novo, ninguém aparece, com efeito a reclamá-la.
(…)
De súbito, havia-se feito para surpresa geral, uma descoberta: ninguém tinha afinidade política ou espiritual com Salazar, ninguém tinha «mentalidade de herdeiro», e portanto a herança estava jacente.
(…)
Mas, perguntar-se-á: não houve excepções à regra? Não houve quem tivesse ficado no seu posto?
Com obra notória, de vulto, houve uma, com efeito: a de Franco Nogueira – homem que não era, aliás, nem nunca fora, do regime, tendo apenas servido o País, patrioticamente, numa conjuntura internacional extremamente desfavorável.”[3]
A imagem de Franco Nogueira que ficou para a história não foi esta. Não foi melhor nem pior – não foi nenhuma.
Mas tendo consciência da nobreza de espírito desta figura nacional, que até nos momentos mais difíceis e de perversão da sociedade não negou a sua crença e actuação e se manteve firme, que seguindo um principio de justiça comutativa, se justifica uma obra que o recorde, e, mais, que o homenageie.
Foi devido a esse seu carácter de «excepção à regra» que acabou por escrever, em jeito de desabafo, ignorar «as vicissitudes que me aguardam, vítima como já fui de muitas, por motivos certamente poderosos e lícitos mas de que não fui informado jamais por aqueles que mas infligiram»[4]. Mas há que salutar o homem, que mesmo na adversidade, não renunciou ao seu passado e, teimosamente, acabou por conseguir publicar os seus seis volumes sobre Salazar, apesar dos obstáculos, que intencionalmente ou não, lhe surgiram.
Porquê?
Só motivos humanos o justificam. E nele se destacam o patriotismo e a lealdade.
Da sua vida poderíamos dizer, como tão bem expressava Guilherme Braga da Cruz sobre si mesmo, que «não há dinheiro, não há regalias, não há benefícios, não há honrarias, que valham a liberdade e a independência de um homem – que valham a liberdade de dizer “sim” e a liberdade de dizer “não”, de cabeça levantada, perante os grandes da Terra, sem outros ditames que não sejam os do foro íntimo da consciência e os da fria e objectiva serenidade da razão»[5].
Não é grande o autor desta páginas, e o fim que se propõem podia e devia ser levado a cabo por outros de maior valor. Tal não aconteceu até hoje. E é por isso, embora esperando que algum dia alguém de valor reconhecido faça justiça ao embaixador português, que deve ser tomado este trabalho, como uma obra realizada subsidiariamente por um autor cujo mérito e renome não é nenhum, mas que se vê na obrigação de o fazer porque ninguém mais, até hoje, se atreveu a fazê-lo, pensando cumprir aquilo que o próprio Franco Nogueira professava:
«Agir com fé em função dos princípios que possui, das convicções que sente, do valores em que acredita – eis o dever de todo o homem»[6]
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Notas
[1] Não se deve esquecer de mencionar aqui, por um imperativo de justiça, alguns dos que, ainda em data não muito longínqua, lembraram esta figura, nomeadamente MELO RIBEIRO, Teresa, VIERIA DA CRUZ, Manuel, SAMPAIO E MELLO, Gonçalo, Embaixador Franco Nogueira – Textos Evocativos, Civilização Editora, Porto, 1999; Embaixador Alberto Franco Nogueira: Evocação, Homenagem, Lisboa, Sociedade Histórica da Independência, 1994; BRANDÃO, Fernando Castro, Franco Nogueira: Elementos Biográficos, in FRANCO NOGUEIRA, Alberto, Relatórios Anuais 1942 a 1955, Instituto Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros, Lisboa, 2004, Págs.7 a 52; SARAIVA, Mário, Franco Nogueira, a meu ver, in Apontamentos. História, Literatura Política, Lisboa, Universitária Editora, 1996, Págs.147 a 153; e ainda LUCENA, Manuel, Franco Nogueira: os meandros de uma fidelidade, in Análise Social, Vol. XXXVI, nº 160, 2001, Págs.863 a 891.
[2] Gonçalo de Sampaio e Mello é um ilustre jurista, Mestre em Direito (Ciências Histórico–Jurídicas) pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Actualmente é professor assistente da mesma faculdade. Das obras conhecidas, destaca-se a biografia de outro brilhante jurista, intitulada Guilherme Braga da Cruz – Historiador do Direito, que foi a sua tese de mestrado.
[3] SAMPAIO E MELLO, Gonçalo de, O Abandono de Salazar, in Suplemento “Dossier Semanário”, parte integrante do Jornal Semanário de 22/04/1989, pág. 8.
[4] FRANCO NOGUEIRA, Alberto, Salazar, vol. I, Atlântida Editora, Coimbra, 1977, pág. XII.
[5] A citação é retirada de SAMPAIO E MELLO, Gonçalo, Guilherme Braga da Cruz – Subsídios para a sua Biografia, in Revista da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, vol. XLVIII, nº 1 e 2, Coimbra Editora, 2007, Págs.121-122.
[6] FRANCO NOGUEIRA, Alberto, Juízo Final, Civilização Editora, Porto, Ano 1992, pág.12
Lamento que não assuma o seu nome e se quede pelas iniciais.
ResponderEliminarDado a sua qualidade literária que revela, creio que bem se poderia lançar na biografia que o Embaixador Franco Nogueira de há muito merece.
F. de Castro Brandão