Ela fez o que ele não quis, e não lhe disse. E, como sempre que não se quer alguma coisa, ele soube.
«Tu fazes o que quiseres», disse ele. E ela respondeu-lhe que era rídiculo ele dizer isso.
Ele não percebeu.
Ela explicou:
Ela explicou:
- Se estou contigo, supostamente, decides comigo as coisas que eu posso ou não posso fazer, as coisas que eu devo ou não fazer.
Ele parou um pouco para pensar. A sala encheu-se de silêncio. Até que a olhou nos olhos e exclamou:
- Tens razão.
Ela riu seriamente, e olhou-o com superioridade. Mas ele continuou.
- Tens razão, sim. Decidimos juntos. Decidimos juntos quando cada um assim quiser, ou melhor, quando cada um deixar que assim seja.
Ela não percebeu. Contentava-se e contemplava-se com a sua superioridade. Com aquela superioridade que julgava ter. Julgava, sim, porque toda ela era hipotética como a textura fofa das nuvens. Porque ele não se rendera. Ele não se subjugara como aparentava. Procurava simplesmente fingir desinteresse, tentanto, pelo contrário, alertá-la, reforçando o que dizia: ela queria que ele participasse na sua vida, que tomasse posição sobre as suas atitudes; e ele, que a queria mais que tudo, procurava demonstrar-lhe como tudo isso só era possivel se ela deixasse. Se ela permitisse, se ela o quisesse autorizar a entrar na sua vida. No fundo, se ela estivesse disposta a isso. Porque quase tudo na vida se resume a uma disposição. Quase tudo, claro; tudo o que nos tenha por protagonistas.
Penso na cena. Imagino a cena. Vivo a cena. E constato que Oakeshott acertou. A disposição interessa. Só ouvimos o que queremos ouvir. E, por vezes, ouvimos coisas para as quais não damos ouvidos. Porque não estamos abertos - ou por outras palavras, não estamos dispostos - a ouvi-las.
Caro leitor, o amor é um desejo belo; amar é muito bonito. Mas também é díficil e exigente. No entanto, deixar-se amar é-o ainda mais. Só ama quem quer; quem quiser verdadeiramente deixar o amado entrar e ocupar o seu lugar. O que é díficil, porque exige dar de si. Mas isso é apenas um passo, um pequeno passo a dar. Que se dá, se se estiver disposto a isso.
Ele só podia participar da vida dela, se ela estivesse disposta a isso, se lhe desse ouvidos. E ela só poderia ouvi-lo se lhe desse atenção, se se pudesesse diante dele, toda ela, e esperasse - o que é algo muito importante e nem todos sabem - pelo que ele tem a dizer. Se o ouvisse, se levasse a sério o que ele disse. Se parasse para pensar nisso, se considerasse - se tivesse alguma consideração. E quem diz ouvir, diz falar, fazer, planear, etc. Porque para que tudo isso, também é preciso falar - para se ver em conjunto, há primeiro que partilhar. E cada coisa que se esconde, é a confiança que se esvai, o que há em comum que se vai, a união se desfaz: porque houve um caminho comum se deixou de percorrer. Alguém que parou. Ou outro que em de andar, começou a correr.
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