«Ela serve para ilustrar, de forma particularmente poética e particularmente incisiva, que existe uma parte da nossa vida que escapa ao nosso desejo, ao nosso controlo, à nossa simples vontade. Podemos conhecer a linguagem do mar. Podemos conhecer o barco em que navegamos. Podemos conhecer a tripulação que nos acompanha. Podemos até alimentar uma chama de confiança que não se apaga com os primeiros ventos. Mas existe sempre uma margem de imponderabilidade - a doença que surge, o mar que se revolta, a tempestade que subitamente se abate sobre a nossa embarcação - e que afecta o que fazemos e não fazemos. Mais ainda: que afecta o resultado do que fazemos e não fazemos - podendo, até, justificar as nossas acções. Na vida humana, e na vida em sociedades humanas, nem tudo depende da nossa exclusiva vontade. Independentemente da nossa vontade, e por vezes contrária a ela, existe uma margem que não prevemos, não controlamos e não dominamos».
[João Pereira Coutinho, Sorte e Política, in Actas do II Congresso de Ciência Política, pág.608]
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