Cascais, 6 de Março de 1935 - Vila do Conde, 27 de Abril de 2010
quarta-feira, 28 de abril de 2010
domingo, 25 de abril de 2010
"Raposas" e "Ouriços"
Isaiah Berlin - autor de 'Dois Conceitos de Liberdade' - defendeu a noção de pluralismo contra a ideia de um principio explicativo universal
Certo dia uma amiga contou-me por que motivo terminara uma relação amorosa de vários anos.Aconteceu em sala de cinema: ela e o namorado assistiam ao filme As Pontes de Madison, o melodrama de Clint Eastwood sobre escolhas agônicas que definem uma vida. E na cena sacrificial do filme, quando a personagem Francesca [interpretada pela atriz Meryl Streep] hesita entre ficar com a família ou partir com o amante, ela, com os olhos rasos de água, olhou para o namorado. O namorado estava perdidamente entediado. Talvez exista algum exagero na reação dela. Eu disse isso: gostos cinéfilos não justificam medidas tão drásticas, exceto se a outra pessoa gosta, sei lá, do Star Trek. Ela riu. E depois disse a maior verdade filosófica que existe: o problema não estava no filme; estava na evidência final de que nenhum dos dois habitava já o mesmo universo.
Tarefa decisiva
Seria possível escrever vários tratados sobre o assunto. Felizmente, para nós, alguém já se encarregou da tarefa. O nome é Isaiah Berlin, nasceu cem anos atrás, em Riga, atual capital da Letônia. Acabaria por morrer em 1997, na Inglaterra, país que o acolheu ainda na infância. Os obituários foram generosos e aclamaram sir Isaiah como um dos mais importantes intelectuais do século 20. Difícil discordar. Mas mais difícil será resumir, ou tentar resumir, essa importância. Os textos elegíacos falaram de Berlin como um eminente professor de história das ideias em Oxford; como um especialista na intelligentsia russa do século 19; como um defensor clássico da liberdade; e todos lembraram o seu papel durante a Guerra Fria, condenando o totalitarismo soviético quando muitos outros preferiam desviar o olhar. Mas nenhum dos textos foi tão cristalino como a minha amiga desencantada: Isaiah Berlin conseguiu ver as sociedades humanas como aglomerações de indivíduos que não habitam necessariamente o mesmo universo. Somos distintos. E, precisamente por isso, desejamos valores distintos. Um estudo da história das ideias não é apenas uma tarefa intelectualmente importante. Para Berlin, é uma tarefa conceitualmente decisiva. Dos gregos a Maquiavel; dos "philosophes" do século 18 aos românticos do século seguinte, a história dos homens é a história da diversidade humana.
Mas Berlin não se limitou a vislumbrar essa diversidade. Berlin não se limitou a cartografar a tensão recorrente entre o múltiplo e o uno: entre aqueles que defendem uma visão pluralista da existência humana (as "raposas", para usar a terminologia que Berlin pediu de empréstimo ao poeta Arquíloco) e aqueles que procuraram, nos seus esforços intelectuais, encontrar um único princípio explicativo, capaz de reduzir a multiplicidade a uma única hierarquia de valores (os "ouriços"). Berlin foi ainda mais longe ao declarar que não são apenas os homens que desejam valores distintos. Os próprios valores, disse Berlin, são também radicalmente distintos. A importância da tese está no "radicalmente": quando afirmamos que os valores são radicalmente distintos, não pretendemos apenas dizer que eles são diferentes uns dos outros, o que seria um truísmo digno de La Palice. Queremos afirmar que os valores são incompatíveis uns com os outros: como no filme de Clint Eastwood, os valores implicam escolhas trágicas e agônicas; escolher certos valores implica abandonar outros. Podemos amar a liberdade. Podemos amar a igualdade. Mas não podemos ter ambas na sua expressão máxima, porque ambas se neutralizam na sua expressão máxima. "A liberdade total dos lobos seria o fim dos cordeiros", escreveu. Mas Berlin escreveu mais: os valores não são apenas distintos e por vezes incompatíveis. Eles podem ser incomensuráveis. Eles podem ser tão radicalmente distintos que não existe uma forma de os avaliar ou medir "a priori".
Contra as utopias
A filosofia contemporânea ainda hoje discute as verdadeiras implicações do pluralismo de Isaiah Berlin. Até que ponto esse pluralismo é distinto de uma forma de relativismo moral e cultural? Até que ponto esse pluralismo permite sustentar uma posição liberal, ou seja, uma posição que concede à liberdade do indivíduo prioridade lexical sobre todos os outros valores? E até que ponto é racionalmente impossível hierarquizar valores incomensuráveis? Não vou perder o tempo dos digníssimos leitores com esse debate esotérico que, confissão pessoal, ocupou os últimos sete anos da minha vida, em Lisboa e em Oxford. Prefiro dizer simplesmente que o pluralismo de Berlin, a defesa de que os seres humanos são distintos e também por isso desejam valores radicalmente distintos, é o mais poderoso argumento contra o mundo fechado das utopias. O pensamento utópico acredita e professa que, no passado ou no futuro, existiu ou existirá um estado onde as necessidades humanas se encontram resolvidas. Um mundo perfeito onde os seres humanos desejam necessariamente os mesmos fins de vida e onde os valores caros à existência se encontram harmoniosamente reconciliados na sua expressão máxima. Infelizmente, o pensamento utópico falsifica a natureza dos homens e a própria natureza dos valores.
O século 20, com seu longo cortejo de horrores e atrocidades, não foi apenas um século de crimes vulgares. Foi um século que cometeu esses crimes porque pretendeu iludir a natureza pluralista dos homens e dos valores sob a capa da mais feroz uniformidade. As utopias estão condenadas ao fracasso, não porque os homens são fracos, ou ignorantes, ou insuficientemente sonhadores. Mas porque a própria ideia de utopia como um estado perfeito onde os homens desejam os mesmos valores e onde os valores podem ser harmonizados na sua expressão máxima assenta na mais pura falsidade existencial e filosófica. Os homens não são assim. Os valores também não. Cem anos depois do seu nascimento, o legado de Isaiah Berlin permanece válido para o futuro: as nossas sociedades só sobrevivem quando somos capazes de estabelecer equilíbrios entre valores concorrentes, sem nunca permitir que o poder político leve ao extremo esses valores. No extremo, eles apenas se destroem; eles apenas destroem as sociedades que marcham na cegueira rumo à solução final.
João Pereira Coutinho
In Folha de S. Paulo – Suplemento Mais! – 31/5/2009
Tarefa decisiva
Seria possível escrever vários tratados sobre o assunto. Felizmente, para nós, alguém já se encarregou da tarefa. O nome é Isaiah Berlin, nasceu cem anos atrás, em Riga, atual capital da Letônia. Acabaria por morrer em 1997, na Inglaterra, país que o acolheu ainda na infância. Os obituários foram generosos e aclamaram sir Isaiah como um dos mais importantes intelectuais do século 20. Difícil discordar. Mas mais difícil será resumir, ou tentar resumir, essa importância. Os textos elegíacos falaram de Berlin como um eminente professor de história das ideias em Oxford; como um especialista na intelligentsia russa do século 19; como um defensor clássico da liberdade; e todos lembraram o seu papel durante a Guerra Fria, condenando o totalitarismo soviético quando muitos outros preferiam desviar o olhar. Mas nenhum dos textos foi tão cristalino como a minha amiga desencantada: Isaiah Berlin conseguiu ver as sociedades humanas como aglomerações de indivíduos que não habitam necessariamente o mesmo universo. Somos distintos. E, precisamente por isso, desejamos valores distintos. Um estudo da história das ideias não é apenas uma tarefa intelectualmente importante. Para Berlin, é uma tarefa conceitualmente decisiva. Dos gregos a Maquiavel; dos "philosophes" do século 18 aos românticos do século seguinte, a história dos homens é a história da diversidade humana.
Mas Berlin não se limitou a vislumbrar essa diversidade. Berlin não se limitou a cartografar a tensão recorrente entre o múltiplo e o uno: entre aqueles que defendem uma visão pluralista da existência humana (as "raposas", para usar a terminologia que Berlin pediu de empréstimo ao poeta Arquíloco) e aqueles que procuraram, nos seus esforços intelectuais, encontrar um único princípio explicativo, capaz de reduzir a multiplicidade a uma única hierarquia de valores (os "ouriços"). Berlin foi ainda mais longe ao declarar que não são apenas os homens que desejam valores distintos. Os próprios valores, disse Berlin, são também radicalmente distintos. A importância da tese está no "radicalmente": quando afirmamos que os valores são radicalmente distintos, não pretendemos apenas dizer que eles são diferentes uns dos outros, o que seria um truísmo digno de La Palice. Queremos afirmar que os valores são incompatíveis uns com os outros: como no filme de Clint Eastwood, os valores implicam escolhas trágicas e agônicas; escolher certos valores implica abandonar outros. Podemos amar a liberdade. Podemos amar a igualdade. Mas não podemos ter ambas na sua expressão máxima, porque ambas se neutralizam na sua expressão máxima. "A liberdade total dos lobos seria o fim dos cordeiros", escreveu. Mas Berlin escreveu mais: os valores não são apenas distintos e por vezes incompatíveis. Eles podem ser incomensuráveis. Eles podem ser tão radicalmente distintos que não existe uma forma de os avaliar ou medir "a priori".
Contra as utopias
A filosofia contemporânea ainda hoje discute as verdadeiras implicações do pluralismo de Isaiah Berlin. Até que ponto esse pluralismo é distinto de uma forma de relativismo moral e cultural? Até que ponto esse pluralismo permite sustentar uma posição liberal, ou seja, uma posição que concede à liberdade do indivíduo prioridade lexical sobre todos os outros valores? E até que ponto é racionalmente impossível hierarquizar valores incomensuráveis? Não vou perder o tempo dos digníssimos leitores com esse debate esotérico que, confissão pessoal, ocupou os últimos sete anos da minha vida, em Lisboa e em Oxford. Prefiro dizer simplesmente que o pluralismo de Berlin, a defesa de que os seres humanos são distintos e também por isso desejam valores radicalmente distintos, é o mais poderoso argumento contra o mundo fechado das utopias. O pensamento utópico acredita e professa que, no passado ou no futuro, existiu ou existirá um estado onde as necessidades humanas se encontram resolvidas. Um mundo perfeito onde os seres humanos desejam necessariamente os mesmos fins de vida e onde os valores caros à existência se encontram harmoniosamente reconciliados na sua expressão máxima. Infelizmente, o pensamento utópico falsifica a natureza dos homens e a própria natureza dos valores.
O século 20, com seu longo cortejo de horrores e atrocidades, não foi apenas um século de crimes vulgares. Foi um século que cometeu esses crimes porque pretendeu iludir a natureza pluralista dos homens e dos valores sob a capa da mais feroz uniformidade. As utopias estão condenadas ao fracasso, não porque os homens são fracos, ou ignorantes, ou insuficientemente sonhadores. Mas porque a própria ideia de utopia como um estado perfeito onde os homens desejam os mesmos valores e onde os valores podem ser harmonizados na sua expressão máxima assenta na mais pura falsidade existencial e filosófica. Os homens não são assim. Os valores também não. Cem anos depois do seu nascimento, o legado de Isaiah Berlin permanece válido para o futuro: as nossas sociedades só sobrevivem quando somos capazes de estabelecer equilíbrios entre valores concorrentes, sem nunca permitir que o poder político leve ao extremo esses valores. No extremo, eles apenas se destroem; eles apenas destroem as sociedades que marcham na cegueira rumo à solução final.
João Pereira Coutinho
In Folha de S. Paulo – Suplemento Mais! – 31/5/2009
quarta-feira, 21 de abril de 2010
sexta-feira, 16 de abril de 2010
Política à Portugesa
No Centenário da República, nada melhor que lembrar velhos laços familiares e.... não esquecer a mansa herança que nos legou.
terça-feira, 13 de abril de 2010
Breve nota sobre pedofilia
António Serzedelo e Paulo Corte-Real consideram infundadas e particularmente graves as declarações do Cardeal Bertone, porque ofendem uma luta de pelos direito civicos e humanos, e aumentam o preconceito contra as pessoas homossexuais.
O que me surpreende no debate deste tema é a pouca razoabilidade com que se disparam argumentos. Há sempre uma preocupação com a honra própria; e sempre uma ausência de cuidado com a honra alheia.
Há não muito tempo, em Inglaterra, o governo tentou implementar uma medida de prevenção da pedofilia que consistia, pura e simplesmente, na obrigação de todo e qualquer adulto cuja actividade laboral estivesse minimamente ligada a crianças, de se submeter a um teste que garantiria ao examinando um diploma oficial que atestaria que ele, afinal, não era como Lewis Carroll ou Nabokov. A medida, está claro, suscitou debates calorosos por uma razão mais que evidente: mais do que prevenção da pedofilia, a medida garantiria um incentivo ao julgamento social (mesmo sem crime). A presunção de inocência inverter-se-ia para presunção de pedofilia. E poderíamos adivinhar o rápido aumento de casos de vindicta privada.
Mas centremos a nossa atenção no que importa: a pedofilia não é uma característica humana. É um comportamento desviante. É um crime; é o supremo e mais repugnante crime que se pode cometer. E quem o comete são homens. Homens de todos os géneros e idades, de todas as cores e nacionalidades. De padres a chefes de governo, de pais a educadores de infância.
Se o Cardeal Bertone errou, não sei. Nem sei o que disse. Sei é que há uma disparidade de critérios nos julgamentos da questão. Fazer de qualquer homossexual um pedófilo é, para a maioria das vozes saídas da comunicação social, um passatempo habitual de gente conservadora, reaccionária, anti-modernista, discriminatória e de má fé. Mas proclamar que todos os padres são pedófilos é uma evidência que só criminosos podem negar.
Enfim. Passados milhões de anos de civilização chego à conclusão pouco simpática de que afinal ninguém conhece ainda a matéria de que os Homens podem ser feitos.
A pedofilia não é exclusiva dos padres, assim como não o é dos homossexuais. É uma desordem mental; um erro dos Homens. É um crime, assim como a tortura ou o assassínio. E é, infelizmente, algo que se sabe existente nos quatro cantos do mundo.
Deixarmo-nos ir pelas generalizações, nivelar todos os comportamentos, não retira apenas a racionalidade que a questão exige e necessita. Faz muito pior que isso, Deus meu: retira-lhe toda e qualquer justiça!
O que me surpreende no debate deste tema é a pouca razoabilidade com que se disparam argumentos. Há sempre uma preocupação com a honra própria; e sempre uma ausência de cuidado com a honra alheia.
Há não muito tempo, em Inglaterra, o governo tentou implementar uma medida de prevenção da pedofilia que consistia, pura e simplesmente, na obrigação de todo e qualquer adulto cuja actividade laboral estivesse minimamente ligada a crianças, de se submeter a um teste que garantiria ao examinando um diploma oficial que atestaria que ele, afinal, não era como Lewis Carroll ou Nabokov. A medida, está claro, suscitou debates calorosos por uma razão mais que evidente: mais do que prevenção da pedofilia, a medida garantiria um incentivo ao julgamento social (mesmo sem crime). A presunção de inocência inverter-se-ia para presunção de pedofilia. E poderíamos adivinhar o rápido aumento de casos de vindicta privada.
Mas centremos a nossa atenção no que importa: a pedofilia não é uma característica humana. É um comportamento desviante. É um crime; é o supremo e mais repugnante crime que se pode cometer. E quem o comete são homens. Homens de todos os géneros e idades, de todas as cores e nacionalidades. De padres a chefes de governo, de pais a educadores de infância.
Se o Cardeal Bertone errou, não sei. Nem sei o que disse. Sei é que há uma disparidade de critérios nos julgamentos da questão. Fazer de qualquer homossexual um pedófilo é, para a maioria das vozes saídas da comunicação social, um passatempo habitual de gente conservadora, reaccionária, anti-modernista, discriminatória e de má fé. Mas proclamar que todos os padres são pedófilos é uma evidência que só criminosos podem negar.
Enfim. Passados milhões de anos de civilização chego à conclusão pouco simpática de que afinal ninguém conhece ainda a matéria de que os Homens podem ser feitos.
A pedofilia não é exclusiva dos padres, assim como não o é dos homossexuais. É uma desordem mental; um erro dos Homens. É um crime, assim como a tortura ou o assassínio. E é, infelizmente, algo que se sabe existente nos quatro cantos do mundo.
Deixarmo-nos ir pelas generalizações, nivelar todos os comportamentos, não retira apenas a racionalidade que a questão exige e necessita. Faz muito pior que isso, Deus meu: retira-lhe toda e qualquer justiça!
quarta-feira, 7 de abril de 2010
quinta-feira, 1 de abril de 2010
Coisas do IKEA
Uma senhora vai ao Ikea comprar um armário novo. Para que lhe saia mais barato, compra um em kit. Ao chegar a casa, monta-o e fica perfeito. Nesse momento passa o comboio (ela mora junto à estação de comboios) e o armário desmonta-se todo. Monta novamente o armário. E este volta a cair com o passar do comboio. À terceira tentativa falhada, telefona para a Ikea e exige a presença de um técnico.
O técnico chega, monta o armário e, quando passa o comboio, desmonta-se todo. O técnico monta novamente o armário, passa outro comboio e, armário novamente desmontado. Então, o técnico tem uma brilhante ideia:
- Escute, minha senhora, eu vou montar novamente o armário, meto-me lá dentro e espero que passe o comboio para ver porque é que o armário se está desmontar.
E assim fez.
Nisto o marido entra no quarto e diz:
- Querida, que armário tão bonito! - e abre a porta. Ao ver o técnico da
Ikea pergunta:
- O que é que você faz aí?
Este responde:
- Estou quase tentado a dizer-lhe que vim comer a sua mulher. Porque, se lhe digo que estou à espera do comboio, não vai acreditar.
(Recebido por E-Mail)
Nisto o marido entra no quarto e diz:
- Querida, que armário tão bonito! - e abre a porta. Ao ver o técnico da
Ikea pergunta:
- O que é que você faz aí?
Este responde:
- Estou quase tentado a dizer-lhe que vim comer a sua mulher. Porque, se lhe digo que estou à espera do comboio, não vai acreditar.
(Recebido por E-Mail)
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